Omelete Entrevista: Peter Jackson
Cineasta fala sobre Distrito 9, Halo, Weta Digital em Avatar e O Hobbit
15/10/2009 Érico Borgo
Dono de uma carreira celebrada como cineasta, desde os trashes independentes Náusea Total (Bad Taste, 1987) e Fome animal (Braindead/Dead-Alive, 1992) até a trilogia recordista de bilheteria O Senhor dos Anéis, Peter Jackson nunca havia produzido um filme em que não estivesse envolvido como diretor ou pelo menos roteirista. Com Distrito 9 (District 9, 2009), o neo-zelandês exerce a função, entregando a direção para o sul-africano estreante em longas Neill Blomkamp.
O projeto surgiu da paixão de Jackson por videogames. Durante alguns meses, o produtor e o cineasta estiveram envolvidos na adaptação para as telonas da série de jogos eletrônicos Halo, da Microsoft. Com o colapso do projeto, porém, veio a ideia de Distrito 9. Saiba agora como foi esse processo, os percalços orçamentários, o envolvimento da Weta Digital e também como está o andamento de O Hobbit, filme em que novamente Jackson cuidará apenas dos roteiros e produção. Com vocês, Peter Jackson!
Por que você escolheu Neil para dirigir Halo em primeiro lugar?
Na verdade não posso me gabar dessa escolha. Estávamos desenvolvendo Halo com a Paramount, com quem fizemos King Kong. Durante a pós-produção de Kong já estávamos discutindo Halo e naquela época decidimos que procuraríamos um jovem diretor estreante para a adaptação. Alguns meses depois a Paramount indicou Neil, dizendo que haviam achada alguém muito interessante. Eles me mandaram um DVD com os curtas dele e adoramos o trabalho. Logo depois nos encontramos com ele pessoalmente na Nova Zelândia. Mas basta assistir aos curtas ou comerciais dele que você percebe que ele nasceu para dirigir filmes. Fico muito feliz que demos um empurrão na carreira dele. Não que ele precisasse, mas agora já podemos começar a usufruir dos fantásticos filmes dele.
E como foi a transição de Halo para Distrito 9?
Distrito 9 teve um desenvolvimento interessante, pois nasceu de circunstâncias inusitadas. A adaptação do videogame Halo para o cinema não deu certo. Uma manhã acordamos achando que íamos adaptar Halo e à noite estávamos planejando Distrito 9. Foi um dia muito estranho. Nos sentimos muito mal por Neil, já que nós o escolhemos e ele estava fazendo um trabalho incrível, desenhando o filme, as criaturas e outras coisas há uns 4, 5 meses. Mas aí, por razões que não fugiram ao nosso controle e ao dele, a coisa toda degringolou. O acordo entre a Microsoft e o estúdio foi quebrado e o filme foi cancelado. Neil teve que ouvir tudo isso quando nos sentamos com ele pra conversar.
Explicamos que coisas como aquela não aconteciam todos os dias e oferecemos a ele a chance de fazer algo próprio, com um orçamento mais baixo e algo que pudessemos controlar. Seria uma história original, totalmente dele, e tentaríamos financiar esse projeto. Foi nossa maneira de apoiá-lo naquele momento. Ele tem um curta-metragem que desenvolveu - [Alive in Joberg, assista ao final desta entrevista] que traz basicamente a base para a história de Distrito 9, mas sem os personagens. Assim começamos a desenvolver um roteiro.
Mas Neil queria algo diferente... que tivesse improvisações, o que achei interessante já que nunca havia feito nada parecido, algo que unisse personagens bem desenvolvidos, com os quais o público poderia se relacionar, e também aceitasse improviso. E acho que acabou dando tudo certo, uma mistura de roteiro formal com momentos espontâneos. Wikus, o protagonista, é interessantíssimo, um sujeito cheio de falhas e que termina seu filme sem uma redenção completa. Não seguimos a cartilha de Hollywood, que traria sua mudança ao final para um mocinho tradicional. Preferimos manter aquela estranheza.
Mas vocês já planejavam o filme como uma metáfora enriquecedora desde o início?
Nós torcíamos por isso. O que eu mais gosto no projeto é que Neil nasceu na África do Sul. Ele cresceu e estudou lá - e queria que seu filme refletisse o ambiente como ele o vivenciou, toda a política do fim do Apartheid, o lado ruim e também todas as coisas boas que aconteceram no fim daquele período. Ao mesmo tempo ele é um tremendo geek de ficção científica, adora robôs e queria fundir aquilo tudo.
Eu adoro que o resultado tenha conseguido carregar tudo isso, esse fundo político, mas não empurre ele garganta abaixo do público. Ele tem sua dose de diversão, com explosões, robôs gigantes e alienígenas, além de um mundo desconhecido para nós. Pra mim, pelo menos. Não sei se eles escondem alienígenas de verdade em Joanesburgo. Nunca estive lá [risos].
Fale um pouco sobre o envolvimento da Weta Digital no filme. A empresa está atuando em Avatar ainda... como foi a divisão de trabalho?
Curiosamente, a Weta não atuou em Distrito 9. Apesar de eu ser um dos donos da empresa eles me disseram 'não' [risos] por que estão completamente tomados pelo trabalho em Avatar. Confesso que foi um pouco estranho! Mas entre Avatar e Um Olhar do Paraíso não havia como eles atenderem Distrito 9, mesmo com as 800 pessoas atualmente trabalhando lá. Fomos então a uma empresa de Joanesburgo chamada Image Engine Design, que fez os aliens. O trabalho ficou extraordinário. A Weta só ajudou um pouco no final, com algumas cenas com a nave, por que não tinhamos mais dinheiro e queríamos umas tomadas extras com a nave-mãe.
O que Avatar mais está exigindo da Weta?
A coisa mais complicada foi desenvolver um novo sistema de animação facial. No anterior o rosto dos atores era totalmente recoberto por pontos que o computador entendia e transferia para a imagem digital. Nós jogamos tudo isso fora, toda a tecnologia que usamos em filmes como O Senhor dos Anéis e King Kong, e escrevemos um software novo, que é incrível.
Ele não considera apenas a pele, como o anterior, mas como aquilo se aplica a toda a estrutura óssea e os músculos, além da pele. Os pontos que o computador procura agora interferem uns nos outros. Isso permite que toda a emoção que o ator exprime, os movimentos mais sutis, sejam fielmente transmitidos ao personagem em computação gráfica, sem perder nada. Vamos usar esse mesma tecnologia em Tintim e quando Andy Serkis voltar como Gollum em O Hobbit.
Como você distribui seu tempo entre coisas como a pós-produção de Um Olhar do Paraíso, O Hobbit, a administração das empresas...
Depende do que estou fazendo no momento. Agora estou concentrado em escrever O Hobbit. Distrito 9 e Um Olhar do Paraíso estão 100% prontos. Eu estava trabalhando em um trailer para Um Olhar do Paraíso, mas ele também está pronto. Então está tudo livre agora para que eu possa trabalhar em O Hobbit.
Meu trabalho matutino é escrever esse filme. Acordo e trabalhamos várias horas nele, afinal, temos que entregar o roteiro em três semanas para o estúdio. São três ou quatro semanas para que ele fique pronto. Precisamos mostrar isso porque o filme nem recebeu o sinal verde para começar ainda... todo mundo acha que ele será aprovado, mas eu prefiro não achar nada. O estúdio antes tem que gostar do roteiro, ficar satisfeito com o que escrevemos. Depois temos que orçar o filme - saber quanto ele vai custar -, dividindo-o em pedaços para entender exatamente quanto representará esse orçamento. E o estúdio tem que ficar feliz com isso também, algo que é muito difícil de acontecer. Eventualmente, teremos que voltar ao roteiro para descobrir onde cortar gastos.
Enfim, é um processo longo pelo qual temos que passar. Só depois podemos começar a conversar com atores e escolher o elenco. Não oferecemos papel algum ainda. Antes temos que ter o roteiro. Atores e agentes precisam ter os roteiros antes de se comprometerem. E sem o sinal verde fica ainda mais difícil. E tem a questão da agenda de filmagens, que ainda nem começamos a discutir.
Guillermo Del Toro é conhecido por seu estilo pessoal. Ele terá liberdade de usá-lo em O Hobbit ou terá que seguir alguns padrões pre-estabelecidos da Trilogia do Anel?
Absolutamente. Ele terá liberdade total. A única coisa que será minha ali, com a colaboração dele, é o roteiro - que está caminhando bem. Temos apenas que nos certificar que a Terra-média dos primeiros filmes será a mesma dos próximos dois. Temos que cuidar para que Gandalf fale do mesmo jeito, coisas assim, que dêem certa continuidade à história. Guillermo tem liberdade para fazer o filme que quiser, mas só precisa respeitar isso e as locações. Quero que ele retorne à Terra-média que eu usei.
Basicamente, são dois cineastas distintos, um na Trilogia, outro em O Hobbit, indo para a mesma terra fictícia, com o mesmo Condado, as mesmas roupas, mas com seus estilos visuais próprios. Não faria o menor sentido trazer Guillermo para copiar o que eu fiz. Toda a ideia de ter um cineasta diferente é justamente levar novidade para o projeto.
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