Monday, November 12, 2012

Para quem tem dificuldades de ler a Bíblia


by Mauricio Zágari

Meu distanciamento da Internet tem me dado um tempo enorme para ler que eu esqueci que tinha. Decidi que minha prioridade neste momento é reler a Bíblia, antes de qualquer outro livro, pois tenho sentido uma necessidade premente de me aproximar mais de Deus e de me lembrar de verdades básicas da fé a que a distração, a priorização de outras atividades e minha própria natureza humana falível me levaram. E por mais que você já tenha lido a Bíblia inteira, nunca é demais reler: sempre Deus falará com você de modo diferente, por duas razões principais. Primeiro, Ele tem algo novo a nos dizer a cada dia. Segundo, somos seres em constante mutação e o que lemos ontem já terá um significado novo hoje e outro amanhã, pois vivemos experiências diferentes a cada momento e nos tornamos sempre pessoas distintas a cada nova manhã. Só que nas últimas semanas, estimulado por um livro maravilhoso chamado "Meditatio", de Osmar Ludovico (pastor que  dirige cursos de espiritualidade, revisão de vida e seminários para casais, pastores e missionários), resolvi ler a Bíblia de um modo que nunca havia feito antes, que tem sido impactante na minha vida e que por isso quero recomendar: a chamada Lectio Divina.

Algum tempo atrás postei aqui no APENAS um texto sobre meu método habitual de oração e diversos irmãos comentaram que tinham dificuldade para orar e por isso o artigo os tinha ajudado. Por isso, compartilho um pouco sobre o método que estou usando atualmente para ler as Escrituras, na esperança que seja útil para quem tem dificuldade de ler a Bíblia ou para quem, como eu, tenha passado por um período de leitura superficial e deseja retomar com vigor esse hábito.

A Lectio Divina (e não se assuste por o nome ser em latim) é apenas um dos muitos métodos de absorção de verdades bíblicas. Não é o único nem necessariamente o melhor para você. Mas minha experiência das últimas semanas tem me feito crer que é um dos mais eficazes para que a letra sobre papel se transforme em vida e prática para nós. Consiste em quatro passos: Ler, Meditar, Orar e Contemplar. E calma, não se assuste com palavras como "meditar", posso assegurar que não há nada de budista, hinduísta ou herético nisso.

"Lectio Divina" significa simplesmente “leitura divina”. Esse método existe desde antes do surgimento do Catolicismo Romano - que pela crença protestante na verdade não foi estabelecido pelo apóstolo Pedro nem pelo imperador Constantino, mas sim pelo bispo de Roma Gregório, a partir do ano 590. Os princípios dessa forma de se ler a Palavra de Deus foram expressos ainda na época da Igreja primitiva e perseguida, por volta do ano 220. Há registros de que tenha sido praticada por nomes importantes do cristianismo pré-católico, como o grande teólogo e bispo de Hipona Agostinho e um dos sistematizadores da doutrina da Trindade, Basílio de Cesareia.

A Lectio Divina pressupõe a leitura assídua das Escrituras, acompanhada da oração, que gera um diálogo íntimo em que, ao se ler, ouve-se Deus e, ao se orar, respondemos ao Senhor com o coração aberto. E não é uma forma rápida de orar, exige algum tempo diariamente dedicado a essa disciplina, para que de fato tenha efeitos transformadores e não apenas de absorção de conhecimento. Quem decide ler a Bíblia por esse método automaticamente começa com uma oração. Em seguida, com calma e atenção, recomenda-se ler o trecho escolhido quantas vezes forem necessárias. O importante é "mergulhar" no que é dito, tentando identificar os elementos importantes da passagem: o ambiente, os personagens, os diálogos, as imagens usadas, as ações. É importante identificar tudo com calma e atenção, como se estivesse vendo a cena. Quase como se estivesse assistindo a um filme. Se você não souber as circunstâncias em que a passagem foi escrita, uma boa Bíblia de estudos pode ajudar nisso (para mim têm sido muito úteis a de Genebra e a NVI).

Em seguida, é o momento da meditação. Como disse um certo sacerdote, "ela não se detém no exterior, não para na superfície, apóia o pé mais profundamente, penetra no interior, perscruta cada aspecto". É o momento da reflexão. É não apenas ler, fechar a Bíblia e ir ver TV: é parar para pensar em tudo aquilo que se leu. Deixar as verdades aprendidas criarem raízes no teu coração, cada frase, cada ensinamento. Para os pentecostais, como eu, pode ser complicado de início, tão acostumados estamos ao barulho. Pode haver um pouco de distração no começo, o pensamento vagar um pouco. Mas esse é um momento de paz e reflexão e com a disciplina diária a distração desaparece. É na meditação em que o texto "faz sentido", ganha vida e aplicação. Se você se pegar chorando nessa hora não estranhe, é comum emocionar-se ao perceber que Deus está falando com você por meio do texto sagrado. Mas prepare-se: as verdades absorvidas podem te trazer muita alegria mas também uma gigantesca contrição, caso perceba-se confrontado por seus pecados ou mesmo a realidade da sua pequenez ante a majestade do Altíssimo. Pode ser avassalador. Para mim foi extremamente doloroso. Então prepare-se.

Quando você vê que a reflexão perfurou seu coração e te confrontou, começa a terceira etapa, a da oração. O que é algo que ocorre com fluidez impressionante, pois toda boa meditação desemboca naturalmente na oração. Essa é a hora de responder a Deus após Ele ter falado. E você verá que, na hora em que Deus falar e Sua Palavra rasgar teu coração, a oração fluirá com uma facilidade absoluta, seja ela de adoração, louvor, pedido de perdão, necessidade de maior clareza, intercessão...  enfim, os momentos anteriores, se feitos com dedicação e atenção, vão direcionar essa oração - sob a iluminação do Espírito Santo, que te consola; te convence do pecado, da justiça e do juízo; te aconselha. É um momento especial.

Os relatos históricos e minha experiência mostram que é aí que nasce o compromisso de estar com Deus e fazer a sua vontade, pois sua alma enxerga que não pode por si mesma atingir os alvos: o sentimento de dependência do Senhor para tudo ("sem mim nada podeis fazer" - palavras de Jesus em Jo 15.5) e a clareza com que você vê sua natureza pecaminosa são esmagadores, humilhantes e transformadores. É nessa etapa que você ganha coragem para mudar na prática aquilo que precisa ser mudado - algo que uma leitura bíblica rápida e superficial e da qual se desliga logo para outras atividades não promove. Sei disso porque reconheço que passei os últimos meses lendo as Escrituras dessa forma superficial e pouco efeito tiveram sobre minha vida. Percebi que só ler não basta: é preciso fazer o que se leu ter consequência - e "Meditatio" me mostrou que a Lectio Divina poderia fazer isso. E fez.

Por fim, é a hora da chamada "contemplação" (e, novamente: calma, não tem nada a ver com budismo ou coisa do gênero). Os antigos patriarcas da Igreja primitiva diziam que "este é um momento que não pertence ao homem, mas a Deus e sua presença misteriosa". É um período no qual se fica em silêncio diante do Senhor (novamente alerto os pentecostais como eu que vão achar isso de início muito estranho, para mim foi, mas creia: vale a pena). É um momento imprevisível, em que Deus pode conduzi-lo a refletir, a ter apenas a tranquilidade de instantes de paz e silêncio, a tomar a decisão de mudar atitudes ou simplesmente agradecer por tudo o que Ele é e por ter te escolhido para te conceder a graça imerecida sendo você um miserável pecador.

Eis a Lectio Divina. Sei que nós, protestantes, temos uma certa urticária ao falar de métodos pré-concebidos de oração ou leitura bíblica. Mas posso dizer por experiência que essa forma de absorção das verdades das Escrituras foi a que mais gerou impacto na minha vida, na minha alma e no meu relacionamento com Deus. Para mim foi transformador - e se ler a Bíblia não nos transforma, por que lê-la? Seria apenas mais um livro. Espero que, se você decidir experimentar a Lectio Divina, também sofra seus efeitos transformadores. Eu o escolhi porque na biografia dos antigos que o adotaram os resultados provocaram grande aproximação de Deus, como foi o caso de Teresa de Ávila.

Mas um detalhe importante: se você perceber que ao tentar aplicar a Lectio Divina na sua vida ela se torna uma prisão, algo como "tenho a obrigação de ler a Bíblia desse modo", esqueça-a. E parta para uma forma que te conduza individualmente mais para perto de Cristo. Tem que ser uma experiência de vida e não uma chatice feita por forçar uma barra. Cada pessoa é diferente. Cada experiência de vida é diferente. Abracei esse modo porque li sobre o que ele fez por pessoas no passado e vi que precisava daquilo na minha vida. Sei o que fez por mim, como me levou e tem levado mais e mais para perto de Jesus e como tem me humilhado e mostrado como eu preciso desesperadamente desse Cristo e de sua graça, pelo tanto que sou inclinado em minha natureza pecaminosa a fazer o que a Bíblia manda não fazer.

Mas desfrute da liberdade no Espírito para alimentar-se da Palavra de Deus como for mais punjante e transformador para você. O importante é que a cada vez que você fechar o Livro Sagrado após ler você seja uma pessoa diferente e melhor do que quando o abriu. Mas isso só vai acontecer se você ler a Bíblia. Se não o fizer, nunca haverá mudança. E, acredite, não conheço ninguém que não precise mudar.

Paz a todos vocês que estão em Cristo.

Se você deseja aconselhamento, recomendo que procure seu pastor e não um blogueiro.

As reflexões expressas neste blog são pessoais e não representam necessariamente a posição oficial de nenhuma igreja, denominação ou grupo religioso.

Mauricio Zágari | 13/07/2012 at 7:00 |


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