Escrito
por Michelson Borges
A
revista Superinteressante do mês passado uniu na matéria de capa (mais uma vez)
dois temas que vendem muito: vida de Jesus e mistério. Como já ocorreu em
situações semelhantes nessa publicação, a matéria peca pela parcialidade das
fontes: via de regra, a Super recorre a teólogos liberais e a arqueólogos
agnósticos e/ou ateus. Na matéria “Os anos ocultos de Jesus”, a fonte principal
é John Dominique Crossan, co-fundador do controverso Jesus Seminar. Logo de
cara, Crossan, com o tom polêmico de sempre, “informa” aos repórteres da Super
que “os autores de Mateus e Lucas [!], que se basearam em Marcos, parecem ter
ficado constrangidos com a baixa formação de Jesus. E deram um jeito de melhorar
a coisa. Mateus (13:55) diz que o pai de Jesus é que era tekton [“pedreiro”,
não necessariamente “carpinteiro”, segundo a matéria]. E Lucas omitiu todo o
versículo”. Assim, somos “informados” categoricamente pela revista sobre o
“fato” de Jesus ter sido pedreiro e não carpinteiro, conforme a Bíblia. Bem, aí
está o tom que perpassa a matéria.
A
reportagem de um ângulo só também nos avisa de que Jesus teria sido discípulo
de João Batista, muito embora reconheça que “os evangelhos não falam de João como
mestre de Jesus”. E precisam? Pra que Bíblia, se temos a Superinteressante para
nos dizer o que realmente aconteceu e nos ajudar a fazer a verdadeira
interpretação dos ensinos escriturísticos?
Que
evidências a revista apresenta para sustentar essa suposta relação
discípulo-mestre entre Jesus e João? Ei-las: “Tal como João Batista, Jesus via
o mundo dividido entre forças do bem e do mal. E anunciava que Deus logo
interviria para acabar com o sofrimento e inaugurar uma era de bondade. Em
suma: tanto um como o outro eram o que os pesquisadores chamam de ‘profetas
apocalípticos’. E se os Evangelhos jogam tanta luz sobre João Batista (Lucas
fala inclusive sobre o nascimento do profeta, assim como faz com Jesus), a
possibilidade de que a relação deles tenha sido mais profunda é real.”
Não
ocorre aos autores do texto que Jesus e João foram ambos enviados de Deus e
que, portanto, tinham mesmo uma mesma mensagem para dar ao mundo? Se João
recebe destaque em Lucas, isso se deve ao fato de ter sido ele um profeta de
destaque justamente por ter servido de arauto do Messias. E se a pregação deles
fosse diferente, aí a Super afirmaria que Jesus contradisse João, como já
sugeriu que Paulo teria feito em relação à mensagem de Jesus.
Além
de considerar a ressurreição e os milagres de Jesus “mitologia cristã” (embora
haja boas evidências para a ressurreição) e logo em seguida afirmar o que
inicialmente supôs (ou seja, que Jesus seria filho de pedreiro), Super menciona
pelo menos uma diferença entre a mensagem de João e a de Jesus: como João
anunciou a vinda do reino e acabou morrendo, Jesus teria ficado tão “abalado”
com a não intervenção divina nesse caso que teria mudado sua visão/definição de
reino. “João Batista havia imaginado uma intervenção unilateral de Deus. Jesus
imaginou uma cooperação bilateral: as pessoas deveriam agir em combinação com
Deus para que o novo reino chegasse”, diz Crossan.
Nada
a ver! Jesus pregou a respeito do reino da graça e do reino da glória; um
presente entre os humanos (no coração deles) e outro que ainda virá. Crossan
bagunça tudo! Seria essa compreensão equivocada resultante dos resquícios
teológicos de seu tempo de religioso (sevita) católico, misturada a sua visão
cética adotada depois? Sei lá. Melhor pensar assim do que imaginar que Crossan
estaria agindo com desonestidade intelectual abraçada e aplaudida pela Super.
Ler os evangelhos com a mente aberta, sem preconceitos, não dói, pessoal! Ah, e
jornalistas também podem ler a Bíblia por si mesmos, sem depender da
interpretação desse ou daquele estudioso.
Confesso
que, daqui em diante, tive que fazer muito esforço para ler o restante do
artigo, afinal, para que perder tempo com ficção travestida de reportagem? Mas
fui adiante e confirmei minha suspeita de enviesamento ideológico quando li
outra declaração, desta vez do famoso agnóstico Bart D. Ehrman, autor o livro
Quem Foi Jesus? Quem Jesus Não Foi?: “Não há nenhum relato, em qualquer fonte
antiga, sobre o rei Herodes massacrar crianças em Belém, ou em seus arredores,
ou em qualquer outro lugar”, diz ele. Ok. Então é assim que funciona: quando a
Bíblia não diz nada, eles inventam; quando diz alguma coisa, não aceitam.
Difícil, né?
A
matéria ainda lança suspeitas sobre a autoria dos evangelhos, cita outra
liberal – Karen Armstrong < http://www.criacionismo.com.br/2008/05/uma-releitura-da-bblia.html
> – para defender a tese de que os autores (mesmo João e Mateus) não teriam
sido testemunhas oculares, e termina afirmando que mesmo “os anos considerados
como os mais conhecidos da vida de Jesus também são cheios de episódios
misteriosos”. [Leia também “Bíblia teria autores falsos?”
http://www.criacionismo.com.br/2008/09/bblia-teria-autores-falsos.html ]
Ah,
sim, mais um detalhe: Jesus pode não ter sido exatamente crucificado, mas
“arvorificado”. É a teoria (controversa, é verdade, mas e daí) do arqueólogo
Joe Zias, da Universidade Hebraica de Jerusalém.
O
artigo termina assim (consegui chegar ao último parágrafo): “Só no século 2,
quase 100 anos após a morte de Jesus, começam a aparecer relatos sobre ele no
centro do Império. Um deles é uma carta do político romano Plínio ao imperador
Trajano. Plínio cita pessoas conhecidas como ‘cristãs’ que veneravam ‘Cristo
como Deus’. Outra fonte é o historiador romano Tácito, que menciona os
‘cristãos (...), conhecidos assim por causa de Cristo (...), executado pelo
procurador Pôncio Pilatos’. Suetônio, que escreveu pouco depois de Tácito,
informa sobre uma perseguição de cristãos, ‘gente que havia abraçado uma nova e
perniciosa superstição’. Uma ‘superstição’ cuja mensagem convenceria cada vez
mais gente, a ponto de, no século 4, o imperador romano em pessoa (Constantino,
no caso) converter-se a ela. E o resto é história. Uma história que chega ao
seu segundo milênio. Com 2 bilhões de seguidores.”
Ainda
bem que historiadores romanos (e um judeu: a revista se esqueceu de Josefo)
citam Jesus em seus escritos, caso contrário, Superinteressante diria que Jesus
nem sequer teria existido.
Tenho
certeza de que, com essa matéria com sabor de teoria da conspiração, a edição
de julho da Super deve ter vendido bastante, afinal, sempre há os incautos que
dão crédito a esse tipo de conteúdo – especialmente o público preferencial da
revista: adolescentes que ainda mal tiveram tempo de formar uma visão crítica
da mídia e sequer leram bons livros de apologética cristã que respondem
satisfatoriamente as questões levantadas pelo artigo. Com todo o respeito aos
adolescentes.
Michelson
Borges
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